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Memórias de um dia especial

Às vezes quando vejo fotos antigas, me dá vontade de voltar no tempo, e ficar por ali mesmo. O efeito colateral de momentos bons é a saudade. Sinto falta desse dia, daquelas pessoas e do ar que eu respirei - lá do alto. Essas fotos não retratam quase nada do que foi vivido, mas as amo. Foi um final de semana sem energia, com muitas risadas, um céu estrelado e a alma tranquila. O senhor que cedeu o espaço para nosso grupo vive em cima de uma montanha (que custou minhas pernas sedentárias - na época - para subir hehe), sozinho e com um monte de livros - ele inclusive escreve alguns. E é muito feliz. Desconfio que ele tenha encontrado sua própria Arcádia. 


Paz.

Hoje


Tenho muitas coisas para resolver na cidade. Tenho que pagar a conta de água, comprar um chuveiro novo e tentar chegar antes de o trem partir - odeio essa sensação de que vão partir sem mim (é o que sempre acontece). Droga, Luana, se você não ficasse pensando no que tem que fazer e tentando achar uma metáfora o tempo todo e começasse a fazer de fato, as coisas seriam mais rápidas. 
Às vezes tenho a sensação de que faço muitas coisas no modo automático – e o quão capaz você tem que ser se tudo o que faz não há questionamentos?
Agora estou parada no sinal vermelho. Vejo que algumas pessoas atravessam mesmo assim. Será que o que vão fazer é muito importante? Ou será que a vida delas vale tão pouco? Espero na calçada. Sei que ainda posso ser atropelada por algum carro desgovernado ou por algum alcoólatra. Nunca há uma garantia, então espero.
Mais alguns estranhos esperam ao meu lado. Você está entre eles. Sei que você é também um desconhecido para mim. Mas não consigo te classificar junto com aquelas pessoas. Você me parece muito diferente para ficar no meio dos iguais. Despertou a minha curiosidade de um jeito que ninguém mais fez.
Já te observo faz tempo. Tempo suficiente para fazer algumas suposições. Tempo suficiente para criar perguntas. Aliás, não sei seu nome. Não sei se você gosta de cachorros ou se aqueles pelos eram de gato. Não sei o que você escuta nos seus fones ou em quem você pensa enquanto mantém o olhar perdido. São tantas possibilidades que só a minha imaginação parece não dar conta de preencher. De certeza só tenho uma: você anda rápido.
Anda rápido demais, se misturando a multidão. Provavelmente para sair logo de lá. Pode ter algo muito bom te esperando seja lá para onde você for. Pode ser que esteja fugindo de algo muito ruim. Talvez seja só a necessidade de se manter em movimento. Ou a solidão. Quando estou sozinha ando mais rápido, quase na sua velocidade. E você está sempre sozinho. Talvez seja só a pressa que consome todo mundo.
Naquele momento eu desejei ter as respostas, ou só a confirmação de minhas teorias. Talvez de minha loucura.  Ainda assim, sei de algumas coisas - sei que os ribossomos fazem síntese de proteínas e que todo número elevado à zero é igual a um. Sei que a cada quatro anos tem um reajuste de calendário chamado ano bissexto. Eu sei também que às vezes não adianta ter respostas que não se encaixam. O que importa são as perguntas certas, as que nunca nos ensinam. Vi que faltavam cinco segundos para o sinal abrir. Eu ainda queria saber seu nome. Quatro segundos. E se você gosta de animais. Três segundos.
“Oi, tudo bem?”, te perguntei pela primeira vez.